terça-feira, 23 de setembro de 2008

CONTARDO CALLIGARIS

"Ensaio sobre a Cegueira"
Somos capazes de tudo: o apocalipse nos testa e nos revela a nósmesmos e ao mundo.
Gosto dos romances e dos filmes apocalípticos, ou seja, das históriasem que algum tipo de fim do mundo (guerra nuclear, invasão extraterrestre, epidemia etc.) nos força a encarar uma versão laica eíntima do Juízo Final. Nessa versão, Deus não avalia nosso passado,mas, enquanto o mundo desaba, nosso desempenho mostra quem somosrealmente. No desamparo, quando o tecido social se esfarela e as normasperdem força e valor, conhecemos, enfim, nosso estofo "verdadeiro". Somos capazes do melhor ou do pior: o apocalipse nos testa e nos revela.
O primeiro romance apocalíptico (de 1826) talvez tenha sido "O ÚltimoHomem" (ed. Landmark), de Mary Shelley, que é também a autora de"Frankenstein". De fato, as duas obras são animadas pelo mesmo sonho:uma criatura radicalmente nova pode ser fabricada no bricabraque de umnecrotério ou nascer das cinzas da civilização. Em ambos os casos, elaserá sem história, sem ascendência, sem comunidade e, portanto,penosamente livre - para o bem ou para o mal.No romance de Mary Shelley, aliás, a causa da catástrofe é umaepidemia, como na "Peste", de Camus, e como no "Ensaio sobre aCegueira", de Saramago, que é agora levado para o cinema por FernandoMeirelles.
A obra de Meirelles é fiel ao livro que a inspira, mas, para contar amesma história, consegue inventar uma eloqüência própria, sutil e forte.Por exemplo, o filme banha numa luz esbranquiçada e difusa que não éapenas (como foi dito e repetido) uma evocação da cegueira branca queaflige a humanidade: é a atmosfera ordinária de nosso universodesbotado, em que a trivialidade do cotidiano desvanece os contrastes -até que as sombras e os brilhos sejam revelados na "hora do vamos ver",que acontece, paradoxalmente, porque todos (ou quase todos) perdem avisão.
Depois de assistir ao filme, li algumas das críticas que ele recebeu emCannes. A nota de Manohla Dargis, no "New York Times" de 16 de maio, porexemplo, é paradoxal: Dargis acusa o filme de ser uma Alegoria com "A"maiúscula, em que, aos personagens, faltaria espessura. Certo, ospersonagens de "Ensaio sobre a Cegueira" quase não têm história prévia,assim como a cidade em que os fatos acontecem (uma mistura de São Paulocom Toronto) é uma cidade moderna qualquer, cujas particularidades nãocontam. Essa, justamente, é a beleza do gênero: o surgimento quaseabstrato de uma situação extrema, em que se trata de escolher e agir apartir de nada. O passado, o lugar não contam: os personagens sãodefinidos por suas escolhas aqui e agora.
Dargis também se queixa da oposição que lhe parece excessiva, no filme,entre "os bons" e "os ruins", ou seja, entre os que, na cegueira,descobrem e aprimoram sua humanidade e os que a perdem. É uma queixacuriosa, pois, em quase todas as narrativas apocalípticas, acontraposição de retidão e bestialidade é o sinal de uma liberdadequase absoluta, angustiante: o fim do mundo é um bívio sem leis, semflechas, sem compromissos, onde qualquer um pode escolher o horror ou aesperança. A oposição caricata dos bons e dos ruins expressa a incertezado espectador, do leitor e do autor: "Você, se, por uma misteriosaepidemia, o mundo ficar cego, se o reino da lei acabar e começar a idadeda luta pela sobrevivência, de que lado estará? Do lado dos queinventarão novas formas de abusos ou dos que descobrirão novas formasde respeito e de vida comum? Uma vez perdida a visão, o que vocêenxergará no seu vizinho: mais uma mulher para estuprar e um otário paraexplorar ou um irmão, perdido que nem você?".
No "Ensaio sobre a Cegueira" (de Meirelles e de Saramago), diferente doque acontece em muitas narrativas apocalípticas, a heroína é uma mulher, e as mulheres são as depositárias da esperança; elas saem engrandecidaspelas provas da situação extrema.
São elas que, para o bem de todos, entregam-se aos estupradores,aviltando não elas mesmas mas os que as violentam, com uma coragem quesalienta a covardia dos maridos ciumentos ou zelosos de sua "honra". São elas que sabem cuidar de uma criança ou matar quando é preciso. São elasque reinventam a amizade (em cenas memoráveis: a das mulheres lavando ocorpo da companheira espancada à morte e a das mulheres no chuveiro). Aviso, caso, um dia, a gente tenha que recomeçar tudo do zero: em geral, as mulheres sabem, melhor do que os homens, o que é essencial navida.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Doubts

.

Some answers to some questions

...because it's necessary to force a coherence on the scene that it didn't necessarily have.

...because there was no philosophical core to it.

...because of the relationship between memory and the unfolding of time.

...because of the connection between the order of things and the strange intersection of events in the world.

...because of what happens if you try and make the most of each day in life.

...because some things are remembered with clarity and some things are not.

...because we are all egotists who allow our feelings to dominate our lives.

...because we pay more attention to some things than to others.

...because the threat of violence is very close to us all.

...because life ia a means of extracting fiction.

...because mundane incidents can often be elevated to fable.

...because history is man made.

...because each life makes its myths.

...because myths have a force that can never be entirely tamed by ironic aesthetic contemplation.

...because of the relatinship between the world of imagination and the real world.

...because if no-one tells the story there is no story.

...because music is not just what you hear or what you listen to but everything that happens.

...because we can't see other people's thoughts.

...because we like to know a lot that we aren't told.

...because freedom which on this earth can only be bought with a thousand of the hardest sacrifices must be enjoyed unrestrictedly in its fullness without any kind of programmatic calculation as long as it lasts.

...because timedamages the memory and memory burns into time.

...because people looked back at the way things happened as if they had happened exactly as remembered.

...because fact is a fact.

...because of an inscrutable combination of audacity and innocence.

...because if life is not worth living songs are not worth singing.

...because blankness and minimalism are balms poured upon our overused optical nerves and overcrowded brain cells.

...because someone on the bus whispered in Ian's ear that the world does not exist and he couldn't help but agree.

...because the world carries weight and always weights the same.

...because we all live in dream worlds.

...because his imagination was out of place.

.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

. palavras .

No momento em que escrevo, minha nudez é casta.

._. Clarice Lispector ._.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

under (de)construction [Please check back at a later time, thanks]

É, quando tudo faz sentido (demasiado sentido), as palavras parecem conspirar contra você.

As palavras não querem fazer sentido, querem imagens desconexas, abstrações concretas...

...tô indo ali desconcertar o meu mundo e já volto.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

"Moderno é ler Platão"

Num desses dias chatos, numa dessas aulas chatas, em meio a esses livros chatos [leia-se: jurídicos], deparei-me, para a minha surpresa, com uma bela epígrafe...

"Moderno é ler Platão."

...a frase é do romancista italiano, Umberto Eco.

Uma surpresa agradável saber que a doutrina lê coisas relevantes, vez ou outra.

sexta-feira, 14 de março de 2008

" Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. "

...e nada melhor do que saber que não economizaram na confecção das nossas almas.

Mesmo que a física clássica diga que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, teimosos que somos...

...nao custa nada tentar, não é mesmo?

[tese sob orientação de Pessoa]

quarta-feira, 12 de março de 2008

. companhia ausente .

Nada de oblíquo ou dissimulado no olhar, mas um olhar vago que te mira como que para uma multidão e você não consegue tirar da cabeça o livro dos conselhos...

"...se olhas, vê; se vês, repara."

...olha como que para uma multidão, como que a procura de algo, mas quem procura sou eu.
Uma pessoa que deveria estar lá, onde, diria Aristóteles lá está.
Mas é sabido que eu sou uma platônica incorrigível...
...e só existe uma realidade capaz de subverter o manual da minha alma.
Infelizmente, indisponível no momento.

Nada pior do que sentir saudades de uma pessoa que está do seu lado.

...

sábado, 5 de janeiro de 2008

Viver

Nesse dia, eu acordaria.
E o que se tem chamado por aí de realidade impor-se-ia com os primeiros raios de Sol, antes mesmo que eu pudesse, por ato reflexo, refutá-la. Mesmo assim, eu ficaria ali, teimosamente, lutando contra o inimigo fático.
É, claro, supérfluo dizer o quão desleal seria o embate... a frivolidade da alma contra a roda compressora das horas? Talvez nem feliz, nem infelizmente, mas simplesmente como decurso natural dos... fatos?
Melhor seria inserir aqui algum outro vocábulo, qualquer palavra que não evocasse essa idéia de realidade equivocada. Como não me ocorresse nada mais apropriado, não opto por vocábulo algum. Ficamos assim mesmo, inexpressivos. Decurso natural puro e simples. Sim, um decurso natural, propriamente.
Dizia, eu, que força tem uma alma humana contra a roda compressora das horas? Força alguma. O que alguns atribuiriam a um deus inventado, eu atribuo a um acaso ordenado. Caótico, é bem verdade, mas nunca aleatório.
Num tal caos, a bela humanidade das almas teria a mesma interferência volitiva que uma pluma, flutuando ao sabor do vento.
Flutuando ao sabor de meus pensamentos, lá estaria eu. Elaborando, em sonho, um locus abstrato próprio, diriam os romanos, que enfim nos resgataria da medíocre concretude do mundo.
“Platônica, romântica”, chamar-me-iam alguns, em tom irônico, escarninho, a que eu responderia:

- O que rotulastes de “sonho”, saibai vós que é mais real do que aquilo que chamais de vida, depois de acordar, todas as manhãs. E o que chamais, pedantemente, de arte aristotélica é trabalho que uma máquina fotográfica faz melhor do que qualquer artista pretensioso.

...e, de repente, tu virias despertar-me dessa ilusória concretude das coisas para que pudéssemos, juntos, ver de fato, enxergar a onírica realidade, a única realidade verdadeira.

Viver, enfim.