sábado, 5 de janeiro de 2008

Viver

Nesse dia, eu acordaria.
E o que se tem chamado por aí de realidade impor-se-ia com os primeiros raios de Sol, antes mesmo que eu pudesse, por ato reflexo, refutá-la. Mesmo assim, eu ficaria ali, teimosamente, lutando contra o inimigo fático.
É, claro, supérfluo dizer o quão desleal seria o embate... a frivolidade da alma contra a roda compressora das horas? Talvez nem feliz, nem infelizmente, mas simplesmente como decurso natural dos... fatos?
Melhor seria inserir aqui algum outro vocábulo, qualquer palavra que não evocasse essa idéia de realidade equivocada. Como não me ocorresse nada mais apropriado, não opto por vocábulo algum. Ficamos assim mesmo, inexpressivos. Decurso natural puro e simples. Sim, um decurso natural, propriamente.
Dizia, eu, que força tem uma alma humana contra a roda compressora das horas? Força alguma. O que alguns atribuiriam a um deus inventado, eu atribuo a um acaso ordenado. Caótico, é bem verdade, mas nunca aleatório.
Num tal caos, a bela humanidade das almas teria a mesma interferência volitiva que uma pluma, flutuando ao sabor do vento.
Flutuando ao sabor de meus pensamentos, lá estaria eu. Elaborando, em sonho, um locus abstrato próprio, diriam os romanos, que enfim nos resgataria da medíocre concretude do mundo.
“Platônica, romântica”, chamar-me-iam alguns, em tom irônico, escarninho, a que eu responderia:

- O que rotulastes de “sonho”, saibai vós que é mais real do que aquilo que chamais de vida, depois de acordar, todas as manhãs. E o que chamais, pedantemente, de arte aristotélica é trabalho que uma máquina fotográfica faz melhor do que qualquer artista pretensioso.

...e, de repente, tu virias despertar-me dessa ilusória concretude das coisas para que pudéssemos, juntos, ver de fato, enxergar a onírica realidade, a única realidade verdadeira.

Viver, enfim.